Educação, Trabalho e Sociedade da Informação

No cenário internacional e brasileiro, a noção de aprendizagem ao longo da vida é frequentemente retomada para marcar o princípio básico da pedagogia, destacado em Aristóteles e em Paulo Freire, e existente em todas as culturas: todas as pessoas aprendem e ensinam integral e permanentemente, enquanto inseridas em suas práticas sociais. Sendo assim, ao longo da história, as atividades de trabalho estão entre os espaços privilegiados para a formação de seres humanos.
Desde a década de 1960, e em especial, após a grande crise dos anos 1970, o mundo está passando por mudanças socioeconômicas e socioculturais, com profundos impactos na educação, no trabalho e na vida cotidiana das pessoas (FLECHA, GÓMEZ; PUIGVERT, 2001; MELLO; BENTO, 2007). A difusão da microeletrônica, da informática e das tecnologias de informação e comunicação na maioria dos setores e das atividades humanas levou muitos pesquisadores e pesquisadoras a considerarem que estamos vivendo uma nova fase da sociedade capitalista, denominada sociedade da informação ou do conhecimento. Na literatura relacionada ao tema, encontra-se que a sociedade da informação é uma realidade econômica, social e cultural, e não somente uma abstração intelectual (CASTELLS, 1999; FLECHA; TORTAJADA, 1999).
Novos arranjos organizacionais são implementados para ampliar a produtividade das empresas, buscando seu melhor posicionamento na crescente concorrência da economia informacional, globalizada, interdependente e em rede. O aumento contínuo da produtividade das empresas tem gerado uma redução de postos de trabalho, em especial aqueles mais repetitivos, passíveis de mais facilmente serem automatizados. No mundo do trabalho, as transformações também têm sido profundas. A tecnologia microeletrônica e informacional permite a ampliação da automação nas atividades de fabricação e de serviços. Permite também mudanças na forma de gerenciamento e controle do trabalho nas organizações.
Para dar conta dos novos requisitos exigidos por esse desenvolvimento informacional, são demandados de trabalhadoras e trabalhadores competências tais como: maior autonomia para resolver os problemas, com flexibilidade e iniciativa no trabalho; maior participação nas decisões e soluções cotidianas da produção, cooperação, formação mútua, polivalência, multifuncionalidade, capacidade de trabalhar em equipe, atitudes multiculturais, etc. Tais competências exigem uma força de trabalho capaz de se educar continuamente, diante de novos avanços e transformações tecnológicas e organizacionais, ou seja, pessoas com conhecimentos e habilidades requeridas pela sociedade da informação (ELBOJ SASO et al., 2002; LEVIN; RUMBERGER, 1989).
A entrada na sociedade capitalista informacional aprofundou as desigualdades sociais já existentes e gerou outras, aumentando a diferenciação de crescimento econômico, de capacidade tecnológica e de condições sociais, tanto internacionais como dentro dos países e regiões (polarização ou dualização social). Podemos citar ao menos três setores de estratificação social: a) pessoas que estão incluídas na sociedade com trabalho estável e um nível de estudo que permite ascender à informação e a processá-la; b) pessoas com baixa qualificação e escolaridade, em ocupações precárias, muitas vezes em situações de trabalho precário; c) pessoas excluídas da sociedade, sem nível de estudo que lhes permita uma incorporação contínua ao mundo do trabalho e, portanto, em contínua situação de desemprego ou em prática de economia delituosa (ligada à contravenção, ao crime) (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001).
Na sociedade latino-americana e brasileira, historicamente marcada por profundas desigualdades econômicas e sociais, a difusão das características da sociedade da informação é ainda mais grave e dramática do que nos países capitalistas economicamente mais desenvolvidos. Milhões de homens e mulheres tiveram que deixar os estudos escolares antes de completar o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio. Essas pessoas se encontram em condições de desigualdade com as pessoas de maior escolaridade, na busca de emprego, especialmente de empregos mais estáveis e com proteção social. Elas acabam se encaixando em postos de trabalho em risco de extinção, ou preenchendo frágeis postos de trabalho, do ponto de vista da legislação previdenciária (informal ou precário), ou ainda permanecendo desempregadas por longos períodos. Muitas delas acabam vendo na marginalidade (roubo, tráfico, contrabando, etc.) a única forma de sobrevivência econômica.
Portanto, neste panorama da sociedade da informação, são muitos os desafios postos no mundo do trabalho e, por conseguinte, à educação brasileira. Torna-se necessário que a informação e o conhecimento sejam distribuídos com equidade, criando e potencializando espaços já aberto para formação e implementação de atuações que ajudem a combater e a eliminar as desigualdades, na defesa de uma sociedade da informação que seja justa para todos e todas.
Frente aos desafios da sociedade da informação, o conceito de aprendizagem dialógica, adotado para fundamentação teórico-metodológica deste projeto, integra aportes teóricos advindos de diferentes áreas de conhecimento, tais como a educação (Paulo Freire), a sociologia (Anthony Giddens) e a psicologia (Lev Vygotski), e coloca em destaque que as interações e o diálogo são a chave da aprendizagem (AUBERT; FLECHA; GARCÍA; FLECHA; RACIONERO, 2016; FLECHA, 1997). Este conceito vem sendo originalmente elaborado, desde a década de 1990, por grupo de pesquisa (Community of Research on Excellence for All - CREA), sediado na Universidade de Barcelona, Espanha, visando contribuir para a identificação e a difusão de conhecimento científico subjacente a atuações educativas de êxito desenvolvidas em muitos países do mundo, inclusive no Brasil e em outros países da América Latina. As atuações educativas de êxito foram identificadas no Projeto INCLUD-ED (2006-2011), e validadas em diferentes contextos educativos por oferecerem critérios científicos para conduzirem coletivos que vivem em condições de vulnerabilidade social e cultural aos máximos resultados de aprendizagem (FLECHA, 2015).
Vale ressaltar que o conceito de aprendizagem dialógica foi introduzido no Brasil, em 2002, pelo Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa, da UFSCar (NIASE) e, desde então, é adotado como marco teórico-metodológico em atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas por esse grupo (MELLO; BRAGA; GABASSA, 2012). Por conseguinte, desde sua identificação, as atuações educativas de êxito também vêm sendo estudadas, desenvolvidas e divulgadas pelo NIASE, seja na produção de conhecimento científico (pesquisa), seja nos cursos de formação inicial (ensino) e continuada (extensão), sob coordenação de membros deste grupo.
Voltando-se para os achados do Projeto INCLUD-ED, torna-se possível destacar programas que focalizam a promoção da educação básica de familiares do alunado que frequenta escolas situadas em contextos de vulnerabilidade social, além do desenvolvimento de outras atividades culturais e educativas com as pessoas adultas de seu convívio. Essas escolas alcançam aprendizagem máxima de seu alunado, ao implementarem, entre suas atuações educativas, várias formas de educação familiar ou comunitária, tais como: cursos de alfabetização, inclusive em matemática e em tecnologias digitais, além de outros tópicos considerados prioritários para suprir lacunas do conhecimento de pessoas que vivem em contextos de vulnerabilidade social; conversas baseadas em áreas de interesse da comunidade; espaços de aprendizagem compartilhados por familiares, crianças e jovens; tertúlias literárias dialógicas, nas quais as pessoas podem ler literatura clássica para posteriormente compartilharem suas compreensões a respeito. A característica central dessa atuação educativa é que as atividades são organizadas para responder às necessidades e aos desejos manifestados por essas pessoas, e, ao mesmo tempo, são desenvolvidas em espaços nos quais elas se sintam confortáveis para conversarem abertamente (FLECHA, 2015).
Enfim, ao buscar fundamentação teórico-metodológica no conceito de aprendizagem dialógica, o enfoque deste projeto contempla necessidades formativas expressadas por coletivos organizados em cooperativas de trabalho, assentamentos rurais, salas de alfabetização de pessoas jovens e adultas, comunidades de diferentes naturezas (indígenas, quilombolas, religiosas, etc.), entre outros que vivem em São Carlos e região. Grande parte desses coletivos possui baixa escolaridade e exerce informal e precariamente suas atividades de trabalho, demandando redes de apoio e proteção social para superação dessas condições de vulnerabilidade. Ademais, considera-se como relevante o potencial impacto da formação desses coletivos sobre a escolarização básica de crianças e adolescentes, visto que essas trabalhadoras e trabalhadores também são responsáveis pela formação das novas gerações.
A partir das atividades formativas com educadoras, educadores e outros profissionais, estudantes, pessoas de coletivos socialmente vulneráveis, será possível aprofundar a relação entre elementos teóricos e elementos práticos que constituem o conceito de Aprendizagem Dialógica, compartilhar conhecimentos produzidos na universidade e conhecimentos produzidos nos coletivos, e divulgar os resultados desse diálogo para potencializar a formação básica de coletivos de trabalhadoras e trabalhadores que vivem em condições de vulnerabilidade social. Vislumbra-se, portanto, contribuir amplamente para a superação de desigualdades sociais e educativas na comunidade externa à UFSCar, rompendo o vínculo entre baixa escolaridade e pobreza que historicamente marca o cenário brasileiro e, em especial, contribuir com a formação inicial e continuada de profissionais que focalizem o vínculo educação e trabalho.

Coordenação: Profa. Dra. Adriana Fernandes Coimbra Marigo